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Para Encher Todas As Coisas

por T. Austin-Sparks

Capítulo 3 – O Propósito Eterno de Deus

“Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos os céus, para encher todas as coisas”. (Efésios 4:10)

“E pôs todas as coisas debaixo dos pés, e para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas” (Efésios 1:22,23).

“Para [Ele] encher todas as coisas... o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas”.

Vamos considerar essas duas frases através de quatro pontos: primeiro, o propósito que elas indicam; segundo, o instrumento pelo qual o propósito será realizado em sua plenitude; terceiro, o método pelo qual o instrumento cumprirá plenamente sua vocação; e quarto, a obrigação que recai sobre os que estão envolvidos.

O Propósito

Voltemos àquelas palavras que lemos e comecemos com o propósito que elas indicam. Essa carta é chamada “aos Efésios”, mas podemos riscar essa expressão, porque ela não estava, de forma alguma, na carta original. Ela era uma carta circular. Não sabemos ao certo, mas Éfeso pode ter sido o primeiro lugar em que ela passou.

Quando lemos essa carta, esse poderoso documento, descobrimos que somos conduzidos à esfera do propósito soberano. Essa é uma característica inconfundível da carta e sua linguagem. Existem três expressões, ou palavras, que constantemente ecoam nessa carta, e elas indicam que quando chegamos aqui, estamos na presença de algo muito positivo e muito definitivo em relação ao propósito.

A primeira expressão é “Sua vontade”. Não devemos olhar para isso como sendo apenas algo desejado, mas como sendo um objetivo. Essa vontade de Deus é algo muito definido e muito concreto. Podemos olhar para essa carta e nos mover através dela na seguinte conexão: “nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade” (Efésios 1:5); “desvendando-nos o mistério da sua vontade” (Efésios 1:9); “nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Efésios 1:11). Tudo isso aparece rapidamente no começo da carta, estabelecendo o fundamento para tudo o que se segue, e cada expressão carrega sua própria significância. Certamente elas nos impressionam com o fato de que estamos sendo apresentados a algo tremendo – “o beneplácito de sua vontade”; “o conselho da sua vontade”, e assim por diante.

Então lemos em Efésios 5:17: “Por esta razão, não vos torneis insensatos, mas procurai compreender qual a vontade do Senhor”. Deixe-me dizer novamente que nós, diária e continuadamente, perguntamos se conhecemos a vontade do Senhor. Mas, em fazendo isso, estamos pensando em relação a muitos detalhes de nossas vidas. Queremos saber a vontade do Senhor no que tange a se devemos ir ou não por aqui, fazer ou não isso ou aquilo, e assim por diante. Dizemos que queremos conhecer a vontade do Senhor e vamos até Ele para pergunta-Lo a respeito dessas coisas, a fim de que Ele nos mostre Sua vontade. Isso é algo específico e particular em sua aplicação. Está correto fazermos isso, mas não é o que o apóstolo está falando aqui. Temos que entender que essa carta abrange a igreja. Vidas individuais estão incluídas ali, mas é a igreja que está em vista e que cumpre aquela vontade – escreva isso com “V” maiúsculo se quiser. Isso é o que está por detrás de tudo aqui.

Então, aparece a palavra “propósito”. Como sabemos, essa é a característica dessa carta. Acabamos de ler a primeira vez que esse termo aparece: “nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Efésios 1:11); “segundo o eterno propósito (ou ‘o propósito das eras’) que estabeleceu em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Efésios 3:11).

Se ainda quisermos uma terceira ênfase, podemos tomar a palavra “predestinado”. “Nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade” (Efésios 1:5); “nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele...” (Efésios 1:11).

Sua vontade – grande vontade: Seu propósito nas eras: predestinados segundo a vontade [Ef 1:5] e segundo o propósito [Ef 1:11].

Então, se isso tudo se refere à igreja – e nós a somos – então certamente estamos nos movendo para a esfera desse tremendo soberano propósito, algo estabelecido, firmado, irrevogável, inalterável e estabelecido por Deus antes da fundação do mundo.

Uma coisa de que nós e todo o povo do Senhor – e indo ainda mais longe, todo homem – precisamos nos libertar é desse senso, esse crescente senso, esse senso que se intensifica nesse universo de futilidade e insignificância. Existe um fatalismo crescente nos corações dos homens porque eles não conseguem explicar determinadas coisas. Eles não conseguem chegar ao seu significado – e fatalismo é a coisa mais destruidora da alma. Simplesmente é dito: “Bem, se é para ser, será. Se não é para ser, não será, e isso é tudo. É melhor desistir; parar de agir. Isso acontecerá e você não pode alterar esse fato. Acontecerá”, e assim por diante. Esse é o mais íntimo coração da fraqueza, da frouxidão da vida, da incerteza, indefinição, da insegurança, da total falta de objetivo. Isso tira todo senso de propósito e significado da existência. E isso é algo crescente. Por que, em todo esse mundo hoje, existe uma onda de suicídios nunca antes conhecida na história da civilização? Não habitamos sobre esse fundamento, e podemos não estar familiarizados com isso. Muitos de vocês do continente conhecem algo a respeito, entretanto, especialmente no norte da Europa, acontece assim, como uma terrível onda. Está crescendo por causa desse algo específico, esse sentimento do destino contra alguém. Uma desesperançada impotência na presença de forças das quais os homens não conseguem se proteger e não podem explicar. Esse fatalismo é a coisa mais desintegrante na vida das pessoas, ou em qualquer sociedade. Nada consegue manter-se coeso ou unido nessa base – e isso vai direto ao coração dessa carta... “no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce” (Efésios 2:21). A resposta está Nele. Paremos aqui por um instante.

Nessa carta para os Cristãos, para a igreja, estamos exatamente diante de algo que é totalmente oposto a tudo isso, uma total contradição a tudo isso: Sua vontade, concreta, divina, positiva, firmada, estabelecida desde a eternidade, que não pode ser derrotada, desviada ou frustrada em sua plenitude e realização final. Seu propósito permanece fixo, e de acordo com isso, você e eu e todos que estão nesse corpo de Cristo estamos predestinados. Esse é a base sólida legível! E não é verdade que a maior necessidade é estar em base sólida em dias como esses?

Contra todo esse estado de coisas, que nós apenas tocamos levemente, está o propósito de Deus fixo e estabelecido – algo que Deus fixou e estabeleceu e em relação a isso nos é dito: “[Ele] nos escolheu nele antes da fundação do mundo” (Efésios 1:4).

O propósito, então, começa com o Filho de Deus. Aquilo que Deus estabeleceu em Sua inalterada, imutável, irrevogável vontade é que Seu Filho, finalmente encherá todas as coisas. Essa é a Bíblia, é a Palavra de Deus, e, é claro, quando a lemos, somos confrontados com o que cremos. Talvez você pense: “Por que algo assim nos é dito?” Porque todos nós cremos nas Escrituras. Aventuro-me a dizer que, na terrível perturbação e agitação do final dos tempos, a fé de muitos crentes devotos será abalada como está nas Escrituras, como está na Palavra de Deus. Perdoem-me se isso possa parecer algo errado a dizer. Entretanto, podendo você, pela sua experiência, endossar isso ou não, existe um tremendo abalo acontecendo entre os cristãos hoje no sentido de duvidar da fidelidade da Bíblia.

Aqui, então, a declaração – absoluta, definitiva, positiva, porque vem direto do próprio Deus – que Ele tem estabelecido no Seu conselho eterno, com pleno conhecimento de tudo que possa se levantar contra, com pleno conhecimento de toda a história desse mundo e da obra do maligno e suas aparentes contradições, que “no fim, Meu Filho encherá todas as coisas”.

Ao lado disso, Ele tem como definitivo, positivo, categórica e finalmente decidido e determinado que certo corpo, certo eleito corpo de pessoas será um meio, um vaso, um canal, um instrumento para o cumprimento desse determinado propósito concernente ao Seu Filho. Esse corpo eleito é conhecido por nós por vários nomes, mas em geral por “a igreja”. Aqui em Efésios é chamado de “a igreja, a qual é o seu corpo” – um corpo eleito.


O Instrumento Para Sua Realização e Cumprimento

Isso tudo nos leva ao segundo ponto – o instrumento: a igreja, o corpo eleito de Cristo. Deus predestinou e escolheu esse corpo antes da criação do mundo em Cristo: isso está estabelecido nas Escrituras como um fato, um fato definido. Como sabemos, os fatos de Deus são muito estranhos e inflexíveis. Se formos contra os fatos de Deus, será então o fim de todos os argumentos. E, aqui está o fato. Foi Deus quem o estabeleceu. As Escrituras da verdade mostram que está determinado para se cumprir. Esse é o fato.

Então, Deus não apenas o determinou desde a eternidade, mas nos deu sua revelação no tempo. O Santo Espírito veio da parte de Deus, do céu, com um propósito específico de fazê-lo conhecido, primeiramente dando revelação dele e então, pelo maravilhoso instrumento, levantando, escolhendo, preservando, ungindo e habilitando vasos, através de incontáveis oposições, adversidades e sofrimentos, para cumprir esse ministério de trazer ao povo de Deus o conhecimento desse específico fato. A revelação chegou.

Ainda não mensuramos, e provavelmente nunca seremos capazes de mensurar no tempo, todo o tremendo triunfo nessa única circunstância em que Paulo foi capaz de transmitir essa revelação em sua plenitude. Esse homem deveria ter morrido uma dúzia ou centenas de vezes! Se o diabo pudesse ter feito isso, ele o teria feito. Esse homem deveria ter sido absolutamente neutralizado por várias vezes, não apenas pelos poderes do mal, mas também pelos homens. Suas batalhas eram tremendas. Em todo lugar, em todos os seus passos ele era perseguido. Esse homem foi marcado pela destruição e por descrédito total e final de si mesmo e de seu ministério. Mas, temos hoje essa plenitude registrada, como vimos no último capítulo. Essa carta de Efésios parece até um pequeno panfleto, não é mesmo? Qual o significado de tudo isso aqui no papel? Esse é o maior documento que já entrou nessa criação! É a incorporação da grandeza extraordinária do poder de Deus numa vida humana para um ministério e para a revelação desse propósito eterno de Deus para a igreja.

Deus soberanamente fez tudo isso para dá-lo à igreja, para fazer conhecido que há um corpo eleito em vida no conselho eterno de Deus, e que esse corpo eleito é o objeto desta dispensação – particularmente para ser chamado para fora das nações.

Todos os problemas e dificuldades teológicas se levantam aqui, porque Deus não disse quem pertence a essa eleição. Ele nunca falou para nós diretamente e pessoalmente: “Veja! Eu te escolhi. Você pertence aos eleitos”. Ele não faz isso. Esse problema existe em todo lugar entre o povo – “Eu fico pensando se sou um dos predestinados, preordenados. Tenho razões de questionar se pertenço a isso ou não”. Conhecemos toda essa dificuldade, porque Deus simplesmente não falou dessa forma, diretamente aos indivíduos, que eles são os eleitos, mas é assim que Deus opera.

Devemos falar mais intimamente sobre isso em breve, mas estamos familiarizados com esse tipo de coisa: que quando o Senhor traz essa luz, revelação e verdade às pessoas, quando isso vem ao seu encontro, ou quando as pessoas vão ao encontro dessa verdade pela soberania de Deus, ou literal ou metaforicamente, seus lábios e olhos se abrem – “Isso é o que eu aguardava. Não sabia o que era, mas ansiava por algo, que é exatamente isso aqui. Isso simplesmente vem de encontro àquilo no meu interior que me preparou para tudo isso. Algo vem acontecendo. Mesmo no meu estado não convertido, eu sabia que havia algo mais na vida do que eu tinha. Eu estava insatisfeito e sabia disso. Eu ia de um lugar para outro para encontrar isso aqui, mas não encontrava. Mas agora está aqui”. Não é verdade? Bem, essa é nossa experiência, nossa própria experiência e a experiência de muitos. Deus simplesmente opera. Quando a revelação, a luz chega, houve antes uma preparação, talvez uma preparação inconsciente muito grande – que é uma preparação ignorante, nas trevas, distante, longe de Deus e, mesmo assim, algo nos atraiu, alguma fome, anseio – e então acontece, exatamente como luva para as mãos: tudo se encaixa! “É isso!” É assim que o soberano opera em relação aos eleitos. Se você ainda não viu, em todo caso, você ainda não encontrou, mas não desista. Podemos nos lembrar de pessoas que ainda não viram isso. Elas não mostram nenhum sinal de que viram. Ah, o fim ainda não chegou. O tempo virá quando, através de profundas experiências, através de histórias de sofrimentos, seus corações serão preparados e tocados e você verá sua resposta. Isso é tudo o que precisamos dizer a respeito de eleição, ou ordenação. Que Deus possa operar através disso.

Essa palavra é para nos lembrar e nos mostrar que nessa carta, que está diante de nós, o Evangelho e o propósito eterno estão unidos. Isso é algo muito importante para se lembrar. Receio que algumas pessoas têm algo em mente: “Bem, o Evangelho, o Evangelho simples, é uma coisa. Tudo isso aqui é outra”. De fato, conhecemos reações fortes, pessoas dizendo: “Tudo bem, você pode trazer seus ensinos profundos se quiser. Você pode falar todo esse tipo de coisa, mas nós estamos satisfeitos com o evangelho simples”. Que o Senhor tenha misericórdia de tais pessoas! Como disse antes, aqui temos o mais profundo documento dado por Deus ao homem, e ele tem, não duas coisas diferentes e separadas, mas juntas, o Evangelho e o propósito eterno.

Aqui Paulo conecta a palavra “Evangelho” a ele mesmo. Esse completo, rico e profundo ministério que lhe foi dado, foi por ele chamado de “seu Evangelho”. Ele foi escolhido para esse Evangelho. Oh, se nosso evangelho fosse um pouco mais rico e mais completo, teríamos melhores resultados. Não divida essas coisas! Lembre-se, esse é o Evangelho. O que ele é? São as boas novas. “[Ele] nos escolheu nele antes da fundação do mundo”. Há uma necessidade imperativa de conectar o propósito com a salvação em nossas pregações, e não deixar a salvação como sendo algo em si mesma, algo menor do que ela realmente é, mas precisamos sempre conectar o propósito com a salvação. Não acredito que chegaremos muito longe até atentarmos para essa fraqueza e a remediarmos.


O Método Pelo Qual O Instrumento Cumprirá Plenamente Sua Vocação

Chegamos ao terceiro ponto, o método. O propósito... o instrumento, a igreja, os eleitos... então, o método.

Deixe-nos novamente lembrar de que o apóstolo está particularmente ocupado com a igreja nessa carta, a qual discorre por um caminho e então emerge em uma sublime definição, que ele chama: “O mistério” (Efésios 5:32). Precisamos observar as palavras que nos são familiares à luz de toda a carta, de toda a revelação.

Lemos: “As mulheres sejam submissas ao seu próprio marido, como ao Senhor; porque o marido é o cabeça da mulher, como também Cristo é o cabeça da igreja, sendo este mesmo o salvador do corpo. Como, porém, a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo submissas ao seu marido. Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito. Assim também os maridos devem amar a sua mulher como ao próprio corpo. Quem ama a esposa a si mesmo se ama. Porque ninguém jamais odiou a própria carne; antes, a alimenta e dela cuida, como também Cristo o faz com a igreja; porque somos membros do seu corpo. Eis por que deixará o homem a seu pai e a sua mãe e se unirá à sua mulher, e se tornarão os dois uma só carne. Grande é este mistério, mas eu me refiro a Cristo e à igreja” (Efésios 5:22-32).

Não sabemos se o apóstolo tinha tudo isso guardado em sua mente. Sabemos que ele tinha um pleno e profundo conhecimento de todo o Antigo Testamento, que era sua única Bíblia e estava sempre com ele, tanto em sua plena consciência ou em seu subconsciente. Não sabemos, mas o Espírito Santo sabia se atrás do que estava sendo escrito aqui, estava ou não uma história do Velho Testamento. Ao pensar sobre isso, nos parece a história do Velho Testamento, contida em um pequeno livro... o Livro de Ester.

Não é minha preocupação no momento saber se o que estou prestes a dizer é ou não a correta interpretação daquele livro, pois acredito que servirá como uma boa ilustração do que estamos considerando – que é o método pelo qual esse instrumento, a igreja, o corpo, cumprirá plenamente sua vocação eterna de trazer a expressão da plenitude de Cristo.

Suponho que todos se lembrem da história de Ester. Não é necessário que eu a conte. Ela abre com um quadro de acontecimentos no grande reino e palácio Medo-Persa. Assuero, em toda a sua glória, poder e autoridade, deu um longo banquete (de 180 dias) para todos os governadores, príncipes e nobres de seu grande domínio, da Índia até Etiópia. Isso não é pouca coisa! Reunidos todos esses representantes nesse maravilhoso banquete, Assuero mostrou e revelou sua glória. Então, depois de tudo isso, reuniu seus conselheiros mais íntimos para outro banquete de sete dias. Toda essa pompa estava acontecendo e, estando no auge da agitação do evento, Assurero deu ordens ao seu eunuco que introduzisse em sua presença a rainha, a Rainha Vasti. Nos é dito que ela era formosa, e ele queria mostrar sua formosura àqueles que estavam ali reunidos. O banquete foi dado com esse propósito.

Vasti se recusou a vir, desobedecendo ao comando do rei. O rei muito se enfureceu e apelou para seus conselheiros: “o que diz a lei em casos como esse?”. Conhecemos qual foi a resposta: “Bem, ela não somente ofendeu ao rei, pois todas as nossas esposas também passarão a se comportar como ela, se o senhor não fizer nada”. É claro que isso é persuasivo. O resultado: o rei tirou de Vasti os seus direitos reais e a rejeitou, deixando-a de lado. Ela não era mais sua rainha.

Não sabemos por quanto tempo ficou em aberto a vaga, o vácuo, o vazio, que deveria ser preenchido se o rei quisesse ter tudo o que um rei deve ter. Nesse momento entra Ester na história, estamos familiarizados com ela. Ela estava lá, uma cativa, uma exilada, uma estranha ao reino. Ela estava no harém do rei. Como exatamente isso veio a acontecer, com detalhes, não sabemos, mas de alguma forma, soberanamente o trono estava operando, e Ester foi vista, foi conhecida, estava em foco, foi escolhida e foi marcada por essa alta posição. Ela preencheu a vaga e a ela foi dado tudo o que precisava. Ela foi adornada, sendo feita apropriada para a posição que iria ocupar. Ela foi vestida com o aparato real e enriquecida com joias reais e riquezas. Ela foi chamada, libertada, redimida de seu exílio, de seu cativeiro e introduzida como pertencente à raça, ao reino real. Não nos é dito nada a respeito de qualquer cerimônia de casamento, mas, sem dúvida, ela se comprometeu a cumprir um pacto de lealdade, de devoção, de fidelidade, para ser o que Vasti se recusou a ser – viver apenas para o rei e não para si mesma.

Existem muitos outros grandes detalhes. Não vamos nos deter ao grande e glorioso fim de tudo isso: a libertação e redenção de uma raça em soberania. Não precisamos de muita coisa para perceber o significado espiritual de tudo isso. Parece-me que há aqui uma dupla aplicação.

Deus escolheu o homem no princípio de tudo. Adão foi criado exatamente para isso, sendo introduzido a uma gloriosa associação com Deus no início... mas ele escolheu não viver para Deus mas para ele mesmo, não ser para a glória de Deus mas para reter a glória para si, assim como fez Vasti consigo mesma. O resultado? Repudio! O registro da história, não no Livro de Ester, mostra que, para Vasti, o período que se segue era um reinado de vaidade. Todo o propósito de sua vida havia desaparecido; todo o significado da vida havia sumido. Imagine o que Vasti estava pensando e sentindo depois dos acontecimentos ocorridos e de Ester ter sido colocada em seu lugar! Talvez remorso e tantas outras emoções. Mas, o fato é que começou um reinado de vaidade para ela, sem significado - a vida havia perdido seu sentido. Não é assim com a raça humana? Adão foi chamado, potencialmente lhe dado domínio. Mas, ele toma tudo em suas próprias mãos, se recusando a permanecer para a glória de Deus. Então ele foi posto de lado, se desenvolvendo a partir dali um longo período de insignificância para a raça humana.

Essa é uma aplicação. Mas, o que dizer de Israel? Israel foi escolhido, chamado para o reino, e chamado no Velho Testamento como a esposa de Jeová. Chamado para essa alta posição – e o que aconteceu? Tomaram tudo para si próprios, não permanecendo para Deus.

O grande desafio da vinda de Deus em carne para esse mundo traz consigo essa grande questão. Israel manteria tudo para Deus ou para eles mesmos? Bem, sabemos o que aconteceu. “Não, O mantenha a distância. Não receberemos esse homem”. Eles mantiveram tudo para sua própria glória. Então, vieram esses longos dois mil anos de vaidade para Israel – a rejeição e o abandono de Vasti.

Essa é uma triste história, não é mesmo? Mas, quando a raça em Adão falhou, Deus tinha Seu eleito em algum lugar secretamente escondido. Desde a eternidade Ele tem sua esposa, lá, em seu conhecimento eterno, pré-conhecimento e conselho. Ela estava lá! Quando Israel falhou para com Deus nessa questão, Ele introduziu a igreja. Ela estava lá para tomar o lugar de Israel, e toda a vaidade desse último foi revertida nos santos.

Qual a interpretação para tudo isso, já é o bastante servir para ilustração da carta de Efésios? “Escolhido Nele” – essa é Ester, o instrumento e vaso. Quando os outros falham, o elemento da soberania está em operação, trazendo esse vaso conhecido de antemão, previsto, preordenado, conhecido, escolhido, graças a Deus! Chamada para Si a Sua Ester, redimida do afastamento, redimida do exílio e cativeiro.

Essa é a história da igreja. Liberta do terrível embargo do mundo rejeitado, da raça rejeitada. A rejeitada Gentia, Ester, agora chamada. Que palavra existe no Novo Testamento – Chamada! Redimida!

Chegamos ao ponto que preenche a lacuna que faltava, a palavra “graça”. Treze vezes o apóstolo usou essa palavra nessa carta! Que deveríamos ser “para louvor da glória de sua graça” (Efésios 1:6). Bem, não é essa a Ester? Quem ela era? O que era ela? Onde ela estava? Veja – ela estava no segundo lugar do reino! Adornada com toda a glória do reino – “a glória de Sua graça”.

Existe ainda algo mais precioso para os nossos corações. O que ela tinha onde estava? Nada! Mas, todas as coisas de que precisava foram trazidas para ela do abastecimento real. Coisas tais que ela não possuía, nenhum fragmento do que ela tinha. Foi trazido para ela tudo o que era necessário para que ela se tornasse apropriada para aquela mais augusta presença do mais exaltado – Ela foi vestida adequadamente, e provida com tudo para que ela não fosse uma ofensa para o rei, mas seu prazer. Que história de graça é essa! Quanta coisa surge nesse ponto!

O que é essa igreja em natureza? Ou, voltando para nós mesmos, o que somos em natureza? Bem, se sabemos de alguma coisa a nosso respeito, estamos preparados para dizer “Qualquer coisa e tudo, exceto o que é propício para Sua presença!”. Nenhuma esperança, nenhuma chance, nenhuma possibilidade qualquer de permanecermos em Sua presença como somos em nós mesmos por natureza. Não, estamos exilados, em cativeiro, afastados e distantes. Mas Ele nos introduz e nos veste “com vestes de salvação... manto de justiça” (Isaias 61:10) e libera de forma generosa sua riqueza para nós. Você já seguiu essa palavra através dessa carta? Gostaria de mencionar as passagens onde ela aparece repetidamente. “Segundo a riqueza da sua graça” (Efésios 1:7). “A mim”, diz o apóstolo, “...foi dada esta graça de pregar aos gentios o evangelho das insondáveis riquezas de Cristo” (Efésios 3:8). Ester é introduzida, adornada com tudo para Sua presença e para Seu serviço “para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante” (Efésios 5:27). Esse é o fim da história!

Qual é então o método pelo qual a igreja cumprirá plenamente essa elevada vocação? O relacionamento matrimonial com o Senhor, com tudo o que isso significa. Isso é o que está em Efésios cinco, do verso 22 até o fim! O relacionamento matrimonial... “Eu me refiro a Cristo e à igreja” (Efésios 5:32). Oh, quanto mais pensamos, mais maravilhoso se torna! Casados com o Senhor, ligados ao Senhor por um só Espírito. Em natureza e carne “se tornarão os dois uma só carne” (Efésios 5:31). Mas, no espírito, esses dois se tornam um espírito ligado ao Senhor. Casados, uma só carne, um só corpo, uma só vida. Não existe figura em toda a criação que possa estabelecer unidade, identidade nos pensamentos de Deus mais do que o relacionamento matrimonial, quando ele está de acordo com a mente de Deus. É assim que Deus pretende que seja, e é mais ou menos assim na humanidade, alguns mais do que outros, um não vive sem o outro. Às vezes abrimos o jornal pela manhã e vemos a lista de falecidos, onde encontramos duas notas – a mulher partiu e em poucos dias o homem também partiu. Isso é o ideal. Quero dizer, existe algo ali. Quando está de acordo com os céus – “Eu me refiro a Cristo e à igreja”. Te pergunto: você pode partir sem Cristo? Ouça! Ele não pode viver sem você. Isso está registrado aqui: “A igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude dele”. Literalmente isso significa “o enchimento pleno Dele”. Ele precisa ter esse relacionamento para Sua própria plenitude. O relacionamento matrimonial – esse é o método.

Quanto temos para dizer sobre isso! Mas nosso tempo se esgotou no momento. Então, vamos para o nosso último ponto – a obrigação.


O Encargo Que Recai Sobre Os Que Estão Envolvidos

Bem, se essa é a verdade, se essa é a revelação de Deus, se é assim e não somente uma linda história, uma história espiritual e religiosamente romântica – se essa é a verdade espiritual, e não somente uma doutrina ou ensino, (Deus nos ajude, a mim e a você, se isso é tudo!), existe uma aplicação, certamente recaída sobre Ester, certamente recaída sobre essa igreja. “Rogo-vos, pois, eu... que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor” (Efésios 4:1,2).

O encargo? Se isso é mais que um lindo quadro, se isso é algo que realmente chega até nós como palavra de Deus hoje, nesse tempo, isso nos coloca sob um grande encargo relacionado ao nosso procedimento e conduta. “ande de modo digno... com toda a humildade e mansidão”. Esse é o procedimento, o tipo de povo que devemos ser, chamados para tais alturas, tal chamamento. Oh, não, não existe espaço aqui para presunção, para orgulho espiritual, não há espaço para termos a glória para nós mesmos e a mantê-la em nós mesmos. Esse é o caminho de Vasti. Não, “com toda a humildade e mansidão”. A igreja de Deus e o povo de Deus devem ser assim.

E conduta. Todo relacionamento nessa vida deve ser estabelecido por esse conceito de relacionamento matrimonial com o Senhor. Maridos, esposas; esposas, maridos. Tudo isso deve chegar a um nível mais elevado, se é um reflexo de Cristo e a igreja. Filhos, pais; pais, filhos – servos, mestres; mestres, servos. Todo relacionamento é tocado por esse grande conceito do que é a igreja: sua elevada, nobre e honrada posição, sua maravilhosa dignidade diante de Deus. E essa dignidade deve estar em nosso comportamento, nossa conduta, nossos relacionamentos. Estamos falando, não da corte de Assuero, mas da maior, a corte dos céus, e temos uma palavra que está no Novo Testamento – “cortesia”. “Seja cortês”, diz Pedro (1 Pedro 3:8 – V.A.). Essa certamente é uma coisa muito elementar – boas maneiras! Comportamento apropriado! Etiqueta! Sim, isso está incluído aqui. Na corte dos céus deve haver boas maneiras entre aqueles que embelezam essa noiva. Temo que frequentemente falhamos na cortesia comum uns para com os outros. É verdade – falhamos. Frequentemente há maneiras melhores entre o povo do mundo que entre os Cristãos! Isso é algo terrível de se dizer, mas é verdade. Nossa conduta em todos os relacionamentos da vida deve ser tocada por esse alto conceito, que não é apenas um sonho, um ensino, mas é estabelecido como um fato. “Me refiro a Cristo e a igreja” – igualmente como maridos, esposas, servos, mestres, filhos, pais, e também como Cristo e a igreja.

É desafiador e prático. O que você fará a respeito dessas coisas? Você vai dizer: “Bem, a partir desse momento, pela graça de Deus, viverei para esse nível do meu santo e sublime chamamento. Pela graça de Deus me ajustarei a ele. Farei algo a respeito. Vigiarei meu comportamento. Serei cuidadoso nas minhas palavras. Ficarei de guarda em relação a como reajo com os outros”. Essa é uma obrigação... “Rogo-vos, pois, eu... que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados”.

Que o Senhor nos ajude!

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