por
T. Austin-Sparks
Primeiramente publicado na revista "A Witness and A Testimony", em Mar-Abr 1933, Vol. 11-2. Origem: "Maturity - The Lord's Desire for His People" (Traduzido por Marcos Betancort Bolanos, revisado por MPE)
Leitura: Hebreus 5:14-6:1,2; 12:11,12; 2:10; 3:8.
É amplamente conhecido entre nós que a grande característica da dispensação em que vivemos é a da reunião dos membros do Corpo de Cristo dentre as nações, e então conduzi-los à maturidade, dentro do possível. Não se trata apenas da salvação de almas e da reunião dos crentes em um Corpo espiritual. O seu pleno crescimento também representa o supremo interesse e preocupação do Senhor nesta dispensação. Creio que isso é perfeitamente claro como uma grande característica deste tempo; que a maturidade é o desejo do Senhor para o Seu povo; o pleno crescimento e plenitude. Certamente isso é inconfundível quando se lê a Palavra do Senhor nesse sentido. Também é bem claro e inconfundível que a imaturidade generalizada. Também é patente que o Senhor está se movendo no meio do Seu povo para trazer tantos quantos O seguirem à plenitude. Muitas perguntas surgirão, mas devemos, por enquanto, deixá-las de lado.
Sabemos da imaturidade generalizada, das multidões de salvos que são o povo do Senhor, vivendo nas sombras da imaturidade, que não pagam o preço e seguem com o Senhor, e podemos ser tentados, como alguém de antigamente, a dizer: "O que este homem fará?" E o Senhor diria: "O que te importa?" Em outras palavras: "Não cabe a você fazer da imaturidade de outras pessoas o seu padrão, mas o que Eu desejo é ser aquilo que governa e ocupa inteiramente o seu pensamento."
Portanto, sendo este o propósito e a vontade de Deus, a plenitude, reconhecemos o sentido de tudo o que o Senhor está fazendo. Mas antes de abordar isso mais detalhadamente, permita-me retornar a uma ou duas realidades simples e básicas, para lembrá-los dessas coisas. O filho de Deus, o crente, é uma nova criação. O crente possui um conjunto inteiramente novo de faculdades, que são faculdades espirituais. O homem, por natureza, em seu melhor estado natural, não tem qualquer posição na esfera das coisas de Deus. O crente não é alguém que veio para mudar uma atitude e se tornar cheio de interesses cristãos - dos quais era desprovido anteriormente. Ele não é alguém que mudou seus interesses, que eram pessoais e mundanos, e foram trocados por interesses e atividades cristãs. Isso não é o crente. O crente é alguém que se tornou possuidor de um conjunto inteiramente novo de faculdades espirituais e é uma nova entidade espiritual. É uma espécie diferente de ser, uma criatura inteiramente diferente, e que essas faculdades espirituais, pelas quais somente as coisas de Deus podem ser conhecidas e compreendidas, precisam ser desenvolvidas, precisam crescer, precisam chegar a um lugar de eficiência espiritual, assim como na criança natural que tem suas faculdades no nascimento e precisa ter um desenvolvimento constante dessas faculdades naturais.
As faculdades da visão e da audição precisam ser controladas, e todos os sentidos da criança precisam ser desenvolvidos e levados ao mais alto estado de perfeição possível. Sua compreensão, observação e assim por diante. Assim, o crente, nascido do alto, uma nova criação, nasce com um conjunto de faculdades inteiramente novo e diferente daquele com o qual viemos a este mundo por natureza, e são essas faculdades e sentidos espirituais que precisam ser desenvolvidos para nos tornarmos adultos e espiritualmente eficientes no Senhor.
Isso é muito simples e elementar, e ainda assim é essencial ter capacidade de discriminação, e é a esses santos que o apóstolo Paulo escreve quando diz "aos que têm os sentidos exercitados", e ele diz que para esses, o alimento sólido é o tipo certo de provisão. Ele lamenta que, depois de anos, eles ainda sejam incapazes de se alimentarem de alimento sólido porque seus sentidos e faculdades não foram desenvolvidos. Se o Senhor está realmente empenhado — uma vez que esse é um de Seus objetivos supremos nesta era — em levar os crentes, os santos, ao pleno crescimento, à maturidade espiritual, então Ele não considerará nada como um preço elevado demais para alcançar Seu objetivo. Isso explicará todo o mistério de Seus caminhos com Seus filhos, e todas as coisas estranhas que acontecem, e que às vezes parecem ser Deus trabalhando contra Seus próprios interesses, e para nós, muitas vezes, parece que o Senhor está trabalhando contra os nossos interesses e fazendo tudo completamente errado. Mas o Senhor está disposto a correr riscos. Estou apenas colocando dessa forma: riscos, considerando a mente de pobres pessoas finitas, cujo entendimento é tão limitado, e se arriscando a ser envolvido em uma boa dose de mal-entendidos, se esse for o único caminho que Ele tiver para alcançar Seu objetivo.
Ele habita na eternidade, não no tempo e pode se dar ao luxo de ignorar a incompreensão do pobre homem, sabendo que tem o fim em vista, e a eternidade diante de Si, e que vale a pena usar um breve momento de tempo, mesmo que naquele momento Ele possa ser completamente incompreendido, desde que alcance um fim que seja eterno e O justifique ao extremo. O que o Senhor disse repetidamente ao Seu povo de outrora, quando estavam debaixo das mãos de seus inimigos? Aqueles contra quem Ele se opôs, contra quem Ele havia tomado uma atitude que estava além da reconciliação; ainda assim, Ele entregou Seu povo em suas mãos, e por anos os Seus estiveram debaixo da tirania dos inimigos jurados de Deus.
Olhando por um ponto de vista, você diria que isso é uma contradição, e certamente esses inimigos do Senhor e todos os outros que o odiavam diriam: "Veja, o Senhor não pôde fazer o que queria com eles, então lavou as mãos em relação ao seu povo — o Senhor não conseguiu obter o que era seu e, por isso, os abandonou." Foi isso que Moisés apresentou ao Senhor em certa ocasião. Ele, o Senhor, assumiu esse risco. Deixou os ímpios rirem, zombarem, olharem e zombarem dEle, dizendo que Ele havia fracassado, que era indigno de confiança, enquanto permitia que Seu povo permanecesse nas mãos dos inimigos repetidas vezes. Jerusalém foi pisoteada e todos que passavam diziam: "Este é o resultado de sua confiança em Jeová". O Senhor foi repreendido pelo que fez, e ainda assim considerou que valia a pena que tudo isso acontecesse para atingir Seus fins.
Os caminhos do Senhor são inescrutáveis e jamais devem ser julgados de acordo com nossos padrões humanos; e o Senhor permite que a catástrofe o alcance, mas com um fim em vista, algo que, quando ocorrer, O justificará plenamente, e você verá que o que pensávamos ser a fraqueza de Deus provou ser Sua força; o colapso provou ser Sua supremacia; a loucura de Deus provou ser Sua sabedoria, então Ele será justificado no final. Portanto, nesta questão do crescimento pelo exercício, temos todo esse princípio envolvido. Este exercício não é autoanálise introspectiva. Algumas pessoas pensam que, quando voltam seus olhos para dentro e se tornam autoconscientes, autoanalíticas, e estudam profundamente seu interior, circulando suas almas, fazendo perguntas a respeito de si mesmas, isso é exercício. Isso não é exercício espiritual. Isso não passa de autoconsciência, e toda autoconsciência leva à paralisia, escravidão, fraqueza e derrota.
Se você observar esta palavra onde o exercício é mencionado, descobrirá que ele é aquele que nos sobrevém em experiências que Deus produz. "Meu filho, não desprezes a correção do Senhor; nenhuma correção, no momento, parece ser motivo de alegria, mas sim de tristeza; contudo, depois, produz fruto pacífico de justiça para aqueles exercitados por ela." Por meio de quê? Pela correção que Deus aplica a eles. Deus está te tratando como filho, se você sofre correção. Como filho, Ele o conduz à maturidade. A maneira como o Senhor lida com você; esse é o exercício.
O Senhor pode tirá-lo das atividades e confiná-lo à inatividade, e você pode passar por um momento terrível e dizer que o Senhor o abandonou, que tudo deu errado. O que realmente é isso? Ora, são dores de crescimento! Não eram dores de crescimento? A longo prazo, não estava tudo errado, estava tudo bem. Você passou a conhecer o Senhor, enquanto antes toda a sua vida era ocupada com coisas. Você foi confinado e passou a conhecer o Senhor interiormente, e chegou a um estado de eficiência espiritual tão maior que agora você pode enfrentar a situação exterior. Ele foi mal compreendido, mas estava trabalhando para a sua eficiência, nos exercitando para a eficiência. Essas dores de crescimento são terríveis. Você não pode ajudar ninguém que esteja sofrendo de dores de crescimento, e deve ficar de lado e vê-los passar pelo processo.
Portanto, por meio de inúmeras e variadas direções, esse crescimento se dá pelo exercício doloroso produzido pela maneira como o Senhor está lidando com você. Disciplina – uma palavra pobre em inglês. É treinamento infantil ou disciplina. Considere a palavra discípulo; alguém que se associa a alguém a fim de aprender, e os discípulos foram escolhidos para que pudessem estar com o Senhor a fim de aprender. Isso é disciplina, aprendizado. Aprendemos por meio do sofrimento. Até mesmo o Senhor Jesus foi tornado "plenamente crescido" nesse sentido, completo, por meio do sofrimento. Seguimos o mesmo caminho para o crescimento pleno. É treinamento infantil, disciplina, aprendizado por meio da experiência. Isso é disciplina. Transformando-nos de crianças em filhos maduros, de bebês, nos tornamos homens adultos. Sinto que precisamos ter mais fé na maneira como Deus lida conosco nesse sentido. É doloroso, às vezes angustiante. O que o Senhor está fazendo? Por que há tão pouco espaço entre uma coisa e outra? Parece que o Senhor está nos pressionando para nos levar rapidamente ao crescimento pleno, para nos levar ao ponto em que aprendemos algo
A atitude correta a tomar em relação a cada provação que o Senhor permite que nos sobrevenha, a cada coisa nova e difícil, é: o que o Senhor tem em vista para eu alcançar por meio dessa experiência? Não é destruir, mas edificar. Não é tirar, mas aumentar. Não é restringir, mas ampliar. Lá no fundo, nas profundezas, há um tesouro do Senhor a ser descoberto. Alguns de nós podem dizer: "Sim, nós o encontramos assim". Fomos a lugares profundos, encontramos plenitude ali e conhecemos o Senhor. Você vê o que está em vista nesta passagem pelos exercícios espirituais? "Discernir"; é a inteligência espiritual que o Senhor tem em vista. Há uma história espiritual em acontecendo com alguns de nós que é a contrapartida daquela ilustrada nos dias do Senhor em Sua carne. Os discípulos, tendo o Senhor como sua Cabeça, são reunidos em um pequeno grupo para Ele. Em comunhão para aprender. Então, Ele lhes deu, conferiu-lhes autoridade oficial, jurisdição, para sair e exercer Sua Liderança na criação, cumprir Seu governo; administrar Seu governo no mundo. Aí está, em resumo, todo o significado desta dispensação. A única coisa real era que o Senhor era a Cabeça, mas, para eles, tudo era meramente oficial, não espiritual. Eles fracassaram nesse ponto, mas parece que o Senhor estabeleceu uma ilustração do que viria espiritualmente depois – a Igreja, que é o Seu Corpo – e um treinamento espiritual por meio de disciplina, tendo em vista conhecê-Lo, a fim de que, por essa maturidade e inteligência espiritual, Ele pudesse formar para Si mesmo um instrumento administrativo pelo qual governaria o universo nas eras vindouras.
E amados, o crente não é apenas uma máquina que será tomada pelo Senhor e obrigada a fazer coisas automaticamente. As pessoas parecem pensar que é o cúmulo da humildade dizer que você é apenas uma engrenagem na máquina. O que ela faz? Uma engrenagem funciona quando todas as outras funcionam, e tem que fazer o que os outros fazem. Você não é uma engrenagem em uma máquina. Somos indivíduos escolhidos para nos tornar individualmente centros de Sua própria inteligência espiritual, para conhecê-Lo por nós mesmos; não separados uns dos outros, mas isso significa que conhecemos o Senhor, e se todos formos governados pelo mesmo Espírito, não trabalharemos em desacordo, mas juntos com uma só mente se o único Espírito triunfar em todos nós. Mas Ele quer que Seus filhos sejam possuam Seu próprio conhecimento e inteligência espiritual, e então, ao se reunirem em um só Espírito, e trabalhando a única obra, pensando na única coisa, Ele obterá para Si um instrumento para governar as nações nas eras vindouras: um instrumento inteligente que veio a conhecer o Seu coração pela experiência.
Para isso, a faculdade da percepção espiritual, a compreensão, é necessária. O homem natural não pode conhecer essas coisas, mas somente o Espírito. Essa faculdade da inteligência e do conhecimento espiritual interior de tudo, precisa ser desenvolvida para que conheçamos o Senhor interiormente. Cada experiência é mais profunda que a anterior, de modo que nos sentimos perdidos, não temos em nós os recursos necessários para enfrentar a situação. Assim, passando por experiências profundas, passamos a receber o que há em Cristo e, tendo recebido dEle por pura necessidade da situação, crescemos muito.
O exercício pode produzir crescimento ou endurecimento – os quarenta anos no deserto foram quarenta anos de exercício. "Quando me tentaram", etc. Deus os colocou debaixo de disciplina, um regime de educação infantil, em situações em que nenhum recurso humano poderia suprir a necessidade de Israel e tudo tinha que vir dEle. Ali eles teriam uma grande oportunidade de descobrir o Senhor e, portanto, uma maior administração do Senhor para enfrentar a situação que os homens não conseguiam enfrentar. Tudo o que se pretendia desenvolver no caso de Israel no deserto resultou em um endurecimento. A atitude deles foi: "Estas dificuldades provam que Tu és cruel, tudo menos que Tu estás lidando conosco com amor". E assim endureceram o coração debaixo do exercício que os provaria. Você não pode entrar em um lugar amplo a menos que tenha capacidade. Podemos passar por experiências profundas permitidas pelo Senhor para nos alargar, e podemos assumir a atitude: "Isso não é gentil", "É cruel da parte do Senhor".
Podemos adotar uma de duas atitudes em relação aos caminhos de Deus conosco: podemos nos tornar amargos, ácidos, duros; ou podemos ter o crescimento e o desenvolvimento pelo exercício, desenvolver capacidade, ser conduzidos a um lugar amplo, para que possamos ser Seus instrumentos inteligentes que serão usados para governar debaixo da Sua liderança nas eras vindouras. Coisas que acontecem em nossa história e nem sempre conseguimos compreender, mas a explicação que podemos dar é que, quaisquer que sejam as causas secundárias, o Senhor é Soberano e Ele acha que vale a pena, às vezes, permitir que o que o mundo chamaria de a coisa mais terrível nos sobrevenha por enquanto, e por até parecer que Seu Nome e interesses sofrem com isso, mas por meio disso Ele leva Seu povo a um lugar de maturidade e eles passam a conhecer o Senhor por si mesmos. Por meio dessas coisas terríveis, descobrimos que o Senhor produz algo que é muito mais digno dEle na vida de Seus filhos. Essa é a Sua justificação, a Sua vindicação: se Ele pudesse fazer de qualquer outra maneira, Ele o faria.
No longo prazo, Ele alcança maturidade espiritual entre o Seu povo, permitindo que O conheçam. Ele nos levará a um lugar onde conhecemos o Senhor e exercitamos nossos sentidos para conhecê-Lo. Que o Senhor nos dê graça para aceitar todos os Seus tratos conosco à luz do Seu grande propósito.
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